segunda-feira, 7 de setembro de 2015


A ilusão da escassez


“Estou farta desta vida! Só trabalho e estudo! Não tenho nada! Nada!
Estas são as Lamúrias Eternas da donzela Beatriz. Uma menina muito doce, de traços finos e trejeitos femininos (não como os de Augusto – mas genuínos), singela e bela como uma boneca de porcelana. Antes fosse mesmo uma boneca, graciosamente emudecida, pois quando dá a falar, dá a reclamar.
Você não acha, Miceli ? Não acha que temos uma vida miserável? Vale a pena viver nesse aperto ? Diga-me se vale !
Não ouvi a pergunta. Devo admitir; quando estou a caminhar com Beatriz, desligo o ouvido.
Miceli?” – cutucou-me
Hum …
Responda a pergunta, diabo!
Que pergunta?
A que fiz
Fez pergunta?
Sim
Quando?
Agora mesmo
Pois não ouvi
Claro que não! Vive com a cabeça na Lua!
(De fato o silêncio lunar me seduz, mas nunca chegamos as vias de fato, dado a distância)
Pois refaça a pergunta, e respondo
Falava de nossa miséria. Do trabalhar para comer. Do não ter nada de valor. Não te inquieta ter tudo faltando, homem de Deus ?
Pois não tenho nada faltando.
Tropeçou.
Como não ?
Estou satisfeito.
Saltou.
Impossível!
E continuou;
Não existe ninguém satisfeito neste mundo! Todos estão precisando de alguma coisa; Uma roupa, um carro, uma viagem, um romance, um emprego, uma promoção no emprego …
E insistiu, obstinada;
Alguma coisa está te faltando, pode me dizer! Vamos ! Diga logo e dou-lhe uma moeda!
“Pois não há mesmo. Nada faltando.
Atravessávamos uma rua. Chegando à outra margem, a conversa emudeceu.
Se você não tem do que reclamar , não tem o que conversar com Beatriz (na verdade, noto ser assim com muita gente)
Dei-me então a explicar meu escandaloso contentamento;
Veja, Bia (sim, tentei acalenta-la), a única escassez que enxergo é a de gratidão
“Escassez de gratidão?
(Não entendeu o que quis dizer, mas a palavra “escassez” chamou sua atenção.)
Sim. Temos tudo o que precisamos. E mais; Temos até mesmo o que não precisamos
Tudo o que ?
Para começar do começo; A donzela está aí, cheia de vida, falando pelos cotovelos
E o que tem ?
Diga-me que grande mérito você teve para vir à vida. Qual foi a sua parcela de participação? Qual foi o seu grande esforço ? Nenhum, evidentemente. Foi-lhe dado, de mão beijada. No entanto, não agradece, e até mesmo amaldiçoa
Sem contar; Vive como Rainha. Rainhas não tinham o seu conforto, não tinham suas facilidades. Para ser trivial; não tinham ventiladores, ar condicionado, conduções a motor, vias asfaltadas, toda especie de alimento disponivel no mercado próximo, comunicação imediata por telefones, TV, internet, todas as músicas do mundo e todas as obras literarias do mundo acessiveis à um clique de botão. Se fosse enumerar, acabaria falando mais do que você. E como sabe, sou taciturno.
É, olhando por esse lado eu até tenho algumas coisas …
E não aproveita nenhuma delas. Na verdade, é isto mesmo que te perturba; Tem tudo, não realiza nada.
Que horror ! Deu a me ofender agora ?
Perdão, não pretendia. Aliás, isso remete-me à acurácia de uma máxima Judaica; Uma palavra pode valer uma moeda. Mas o silêncio vale duas”
http://templodasborboletas.blogspot.com.br/


Um comentário:

martinealison disse...

Bonjour,

Très jolie publication...

Gros bisous ♡